A radicalidade do discipulado cristão é um tema que levanta questionamentos e exige discernimento espiritual. Quando observamos as palavras de Jesus proferidas a certas pessoas como o jovem rico e Nicodemos, vemos que o caminho do Mestre exige um pouco mais que comprometimento formal. Ambos eram religiosos, respeitados, cumpridores da lei e formalmente piedosos. No entanto, Jesus vai além da religiosidade exterior e lhes apresenta um chamado que desnuda o coração. Ao jovem rico, Ele pede: “Ainda te falta uma coisa: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me” (Lucas 18:22). Não era a riqueza em si que era pecado, mas o fato de ocupar o lugar de Deus em sua vida. A Nicodemos, mestre da Lei e profundo conhecedor das Escrituras, declara de forma igualmente radical: “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não pode ver o reino de Deus” (João 3:3). Em ambos os casos, o que está em jogo não é um comportamento religioso formal, mas uma entrega total, uma transformação interior que recoloca Cristo no centro.
É nesse sentido que o livro de Apocalipse nos fala sobre ser quente e não morno: “Conheço as tuas obras; sei que não és frio nem quente. Melhor seria que fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, não és frio nem quente, estou a ponto de vomitar-te da minha boca” (Apocalipse 3:15-16). O morno é aquele que mantém uma aparência de fé, mas não se deixa consumir pelo amor e pela vida de Cristo. Ser quente, no entanto, é viver com paixão e autenticidade a experiência cristã, sem reservas, sem meias medidas. Essa é a verdadeira radicalidade do discipulado: enraizar-se em Cristo a tal ponto que Ele se torne o eixo em torno do qual tudo mais gira.
Entretanto, há um perigo sempre presente: confundir essa radicalidade com o extremismo fanático. O fanatismo não nasce do amor, mas geralmente do orgulho e da rigidez. Enquanto a radicalidade conduz à humildade, à mansidão e ao serviço, o fanatismo gera intolerância, exclusão e até violência. Os fariseus do tempo de Jesus são um exemplo disso: zelosos e rigorosos em suas práticas, mas distantes do espírito da lei, que é amor e misericórdia. Jesus os repreende dizendo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas desprezais os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fé” (Mateus 23:23).
A diferença fundamental está no fruto que cada postura produz. O discipulado radical, centrado em Cristo, gera compaixão, justiça e paz. Como Paulo ensina, “o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gálatas 5:22-23). Já o fanatismo, centrado no ego ou em sistemas humanos, resulta em julgamento, imposição e divisão. Em termos simples, a radicalidade evangélica é morrer para si e viver para Cristo (cf. Gálatas 2:20); o fanatismo sufoca Cristo nos outros para impor uma própria causa ou razão.
Assim, ser radical no discipulado não significa viver de forma agressiva ou intolerante, mas deixar-se transformar pelo amor de Cristo em todas as dimensões da vida. É esse amor que aquece a fé e a impede de se tornar morna. É ele que distingue a autenticidade da paixão cristã do extremismo fanático. A verdadeira radicalidade, portanto, não oprime, mas liberta; não endurece, mas humaniza; não se exalta a si mesma, mas glorifica a Cristo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário