sexta-feira, 2 de maio de 2025

Os primeiros cristãos guardavam o domingo e criam na imortalidade da alma?

 


Nos primeiros séculos, os chamados Pais da Igreja não guardavam o domingo da forma como hoje muita gente entende “guardar” (como substituição do sábado do quarto mandamento). Eles passaram a celebrar o domingo como um dia de culto e comemoração da ressurreição de Cristo – mas não como um novo sábado nem como um dia mandado por Deus para ser santificado no lugar do sábado bíblico. Na verdade, eles se reuniam todos os dias, conforme o livro de Atos.

Alguns pontos importantes:

• O sábado continuava sendo reconhecido. Muitos cristãos judeus guardavam o sábado. Já entre os cristãos gentios o costume foi mudando com o tempo.
• Domingo era um dia de celebração, chamado de “dia do Senhor” (dies dominica ou dies dominus em latim), mas não havia mandamento divino para santificá-lo. Era um costume, não uma ordenança bíblica.
• Pais como Justino Mártir (c. 100–165 d.C.) mencionam reuniões no domingo, mas deixam claro que era por associação à ressurreição de Cristo, não por um mandamento para substituir o sábado.
• Concílios posteriores, como o Concílio de Laodiceia (século 4), começaram a oficializar regras para o domingo e desencorajar a guarda do sábado, mas isso é bem posterior ao Novo Testamento.

Exemplos históricos:

1. Justino Mártir (Primeira Apologia, cap. 67) escreveu: “No dia chamado domingo, todos nós reunimo-nos, pois é o primeiro dia no qual Deus, tendo operado uma mudança nas trevas e na matéria, criou o mundo, e Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos no mesmo dia.”

Aqui vemos o domingo sendo comemorado – mas não como um sábado.

2. Irineu de Lião (c. 130-202 d.C.), em Contra Heresias, fala da “nova criação” associada ao domingo, mas também sem dizer que aboliram o sábado.
3. Tertuliano (c. 155-220 d.C.), em De Corona, menciona que os cristãos se abstinham de ajoelhar no domingo em honra à ressurreição – mas reconhece que muitas dessas práticas eram “tradições” (traditio), não mandamentos.
4. Concílio de Laodiceia (c. 363-364 d.C.):
• Cânon 29 diz: “Os cristãos não devem judaizar descansando no sábado, mas trabalhar nesse dia; devem, entretanto, honrar o domingo e, se possível, não trabalhar nele como cristãos.”

Isso mostra que a guarda do sábado ainda existia entre cristãos naquela época – e o concílio buscava suprimir isso.

Resumindo: os primeiros Pais da Igreja comemoravam o domingo, mas não o guardavam como o sábado. A mudança da observância do sábado para o domingo como “dia de descanso” foi um processo lento, social, teológico e político que só se consolidou séculos depois, especialmente com influência do imperador Constantino e da Igreja imperializada.

E quanto à imortalidade da alma?

Alguns Pais da Igreja criam na imortalidade da alma, outros não – e muitos tinham uma visão misturada entre o que aprenderam da Bíblia e conceitos platônicos (filosofia grega). Ou seja: não era uma crença uniforme entre eles, e, com o tempo, o pensamento cristão foi ficando mais platônico (influenciado por Platão), principalmente a partir do século 2.

Explicando melhor:

• No Novo Testamento, a esperança cristã é a ressurreição dos mortos (João 5:28, 29; 1 Coríntios 15), não a imortalidade natural da alma.
• O pensamento hebraico (do qual Jesus e os apóstolos fazem parte) via o ser humano como uma unidade viva – alma vivente (Gênesis 2:7) – e não acreditava em uma alma imortal separada do corpo.
• A filosofia grega (principalmente Platão) dizia que a alma é imortal e separada do corpo – ideia que começou a influenciar os cristãos bem cedo.

Sobre os Pais da Igreja:

• Justino Mártir (c. 100-165 d.C.) cria que a imortalidade é um dom concedido por Deus aos justos, e não algo natural da alma. Ele argumentava contra a ideia de que a alma é naturalmente imortal.
• Taciano, discípulo de Justino, também ensinava que a alma não é imortal por natureza.
• Teófilo de Antioquia (c. 180 d.C.) ensinava que o ser humano é mortal e que a imortalidade seria concedida apenas aos fiéis.
• Irineu de Lião (c. 130-202 d.C.) também combateu a ideia da alma imortal por si mesma. Em Contra Heresias, ele enfatiza que só Deus é imortal e que o ser humano depende da comunhão com Ele para ter vida eterna.
• Tertuliano (c. 155-220 d.C.) já demonstra mais influência grega, defendendo a sobrevivência da alma separada do corpo, mas, ainda assim, de forma imperfeita em relação ao que se tornou depois o dogma da “imortalidade natural”.
• Orígenes (c. 185-253 d.C.) ensinava a preexistência da alma – uma doutrina totalmente grega e não bíblica – que depois foi considerada heresia.
• Agostinho de Hipona (354-430 d.C.), já no século 4/5, consolidou o ensino da alma imortal, muito fortemente baseado em Platão, especialmente em sua forma “cristianizada” através de Plotino (neoplatonismo).

Conclusão: os primeiros Pais da Igreja não criam todos na imortalidade natural da alma.
Essa crença se infiltrou aos poucos, vinda da filosofia grega, e se consolidou de vez séculos depois, especialmente com Agostinho e os concílios posteriores.

Fonte: Outraleitura

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