Pornografia ainda
é um tabu? Alguns diriam que está deixando de ser. As mudanças
culturais no Ocidente têm diminuído a ideia de “depravação” que por
muito tempo esteve relacionada ao segmento, fazendo com que as pessoas
se sintam menos constrangidas com sua sexualidade — às vezes até
admitindo consumir pornografia. E a internet está cheia dela. A cada 39
minutos um vídeo pornográfico é gravado nos Estados Unidos, a cada
segundo mais de 28 mil pessoas assistem à pornografia e há mais de 4
milhões de sites pornográficos no ar — 12% de toda a web. Estima-se que
42,7% dos usuários da internet acessem pornografia — sem contar os 34%
dos usuários comuns que recebem conteúdo pornográfico indesejado. Os
dizeres antigos sugeriam que consumir esse tipo de mídia “fazia mal”,
“provocava o crescimento de pelos nas mãos” e coisas do gênero. Hoje em
dia, com a informação ao alcance de todos, sabemos que a pornografia é
algo “natural”, que se trata “uma forma de cada um explorar
saudavelmente sua própria sexualidade”... Certo? Bom, talvez não seja
bem assim.
Antes da explosão da internet, era
difícil que um adolescente, por exemplo, tivesse acesso à pornografia.
Revistas adultas não eram vendidas para menores e todo o tipo de
material era pago. Atualmente, é possível que qualquer um tenha em seu
navegador centenas de vídeos pornográficos em questão de segundos — e de
graça. Acontece que essa “facilidade” pode trazer grandes problemas.
Uma pesquisa publicada no The Telegraph
em setembro de 2013 entrevistou 177 garotos com idades entre 16 e 20
anos na University of East London e descobriu que quase um quarto deles
dependia de pornografia para ser estimulado sexualmente. 23% dos
entrevistados disseram que tentaram parar de assistir à pornografia, mas
que não conseguiam — 13% disseram que o hábito estava se tornando “mais
extremo” com o tempo e 7% precisaram recorrer a ajuda profissional.
“Cerca de um quarto dos jovens
tentou parar de usar e não conseguiu. Isso significa que há
definitivamente um uso problemático de pornografia nesse grupo”, disse a
psicóloga Dra. Amanda Roberts, responsável pela pesquisa.
“E isso é porque há cada vez mais
exposição à pornografia, e é excessiva”, explicou. “É uma coisa que está
danificando a autoestima deles, porque eles não se parecem com o que
veem e então começam a esperar que as garotas se pareçam e ajam como
estrelas pornô. Eles se sentem inadequados e a maioria diz que já se
sentiu confuso e com raiva porque não conseguia parar.”
No mesmo estudo, 80% das garotas da
mesma idade — 16 a 20 anos — também viam pornografia. 8% delas disseram
que não conseguiam parar de ver e 10% falaram que progressivamente
buscavam por material mais extremo.
Segundo o professor Matt Field,
psicólogo especialista em vícios de adolescentes na Universidade de
Liverpool, adolescentes têm maior tendência a desenvolver vícios, e isso
ocorre pelo modo com que seus cérebros se desenvolvem.
Neurologicamente, a parte responsável pelo controle não amadurece até a
idade dos vinte e poucos anos.
Pornografia é um tabu? Alguns
diriam que sim. Sabemos que ainda é difícil que o tema seja discutido de
forma séria e sem constrangimentos nos colégios, pelo Ministério da
Saúde e pelos próprios pais em casa. Na questão educacional, a
preocupação vem principalmente do fato de a pornografia ser algo
banalizado — ela está em todo lugar.
Alguns estudos sugerem que os males
atingem não apenas os jovens. Uma pesquisa feita no Instituto Max
Planck, de Berlim, coletou dados de 64 homens saudáveis com idades entre
21 e 45 anos e questionou seus hábitos com pornografia. Aqueles que
diziam passar muito tempo vendo pornografia possuíam menos atividade em
regiões do cérebro ligadas à recompensa e motivação.
“Nós descobrimos que o volume do
chamado corpo estriado — uma parte do cérebro que tem sido ligada ao
processo de recompensa e comportamento motivado — era menor, de acordo
com o consumo de pornografia informado pelos participantes”, disse
Simone Kuhn, líder do estudo. “Além disso, descobrimos que outra região
do cérebro, que também é parte do corpo estriado e que está ativa quando
as pessoas veem algum estímulo sexual, exibia menos ativação de acordo
com a quantidade de pornografia consumida.”
Nos Estados Unidos, a situação
parece estar um pouco fora de controle, fazendo com que várias
militâncias se movimentem, vendo o hábito de consumo pornográfico como
uma situação de crise pública — e não estamos nem falando de
instituições religiosas. “A pornografia é hoje a forma mais vulgarizada
de educação sexual. Os estudos mostram que a idade média com que um
americano é exposto pela primeira vez a imagens pornográficas é entre 11
e 14 anos e, acredite, não estamos falando da ‘Playboy do Papai’”, diz Gail Dines, professora de sociologia e de estudos femininos na Wheelock College de Boston e autora do livro Pornland.
Gail escreve que se deve educar as
pessoas sobre como a pornografia de hoje realmente é e acabar com
qualquer noção de que se trata de um estímulo benigno. “Hoje estamos
trazendo uma geração de garotos a um tipo de pornografia cruel e
violenta. E sabendo como imagens afetam as pessoas, isso vai trazer uma
profunda influência em sua sexualidade, comportamento e atitudes em
relação às mulheres.”
Dines crê que a cultura da
pornografia não afeta somente os homens, mas também muda o jeito como as
garotas e mulheres pensam sobre seus corpos, sua sexualidade e seus
relacionamentos. “Quanto mais as imagens pornográficas entram em nossa
cultura comum, mais as garotas e mulheres são diminuídas de seu status humano e reduzidas a objetos sexuais.”
Donny Pauling, que trabalhou como
produtor de filmes adultos por anos, saiu do ramo em 2006 e conta que
presenciou os males da pornografia nas mulheres que eram filmadas. Ele
diz não acreditar em discursos de estrelas pornô sobre como são elas que
cuidam de seus próprios destinos. “Recrutei mais de 500 garotas para
esse setor e nenhuma voltou para me agradecer.”
Em um estudo que realizou em 1986, o
professor de psicologia Neil Malamuth chegou à conclusão de que, se um
homem já é sexualmente agressivo e consome pornografia sexualmente
agressiva, há grandes chances de que ele cometa um ato sexualmente
agressivo.
Aparentemente, essa pesquisa tem
sido usada por muitos militantes antipornografia, mas o próprio Malamuth
diz que a coisa é um pouco mais complexa e compara o conteúdo
pornográfico com o álcool. “Para algumas pessoas, o álcool simplesmente
tem o efeito de deixá-las mais relaxadas, permitindo que elas se
divirtam mais”, explica. “Para outras pessoas, o álcool pode aumentar a
probabilidade de que se comportem de forma violenta. Mas se eu
simplesmente faço a generalização de que o álcool causa a violência ou
leva à violência, você provavelmente diria que isso é ignorar uma série
de detalhes.”
“É muito fácil, se você quer apoiar
um lado ou outro, usar um estudo específico”, comenta o professor de
telecomunicações da Universidade de Indiana Paul Wright, especialista em
sexo na mídia. “Qualquer um pode apoiar um lado simplesmente isolando
um estudo em especial e falando dele.”
Outro psicólogo, Chris Ferguson, da
Universidade Texa A&M, é um estudioso da relação entre mídia e
comportamento violento e questiona se os resultados desses testes
realmente se aplicariam na vida real. Mas obviamente, na vida real, os
pesquisadores não teriam como controlar experimentos relacionados à
pornografia.
Alguns estudiosos acreditam que
haja um fator catártico na masturbação — quase sempre a parte na qual
sempre culmina o consumo de pornografia. Porém, também não há provas
conclusivas disso, apenas uma dedução baseada na observação da queda do
índice de violência sexual em países que “descriminalizaram” a
pornografia.
A relação entre pornografia e
violência sexual tem alguma sustentação principalmente por causa de
questões preocupantes — e inegáveis — ligadas ao assunto. Dois exemplos
são as condições de trabalho dos atores pornográficos e a implícita
pressão social de que as mulheres precisam se parecer com o arquétipo de
uma atriz pornô: corpos esculturais, sexualmente insaciáveis e
submissas à vontade de qualquer homem que queira fazer sexo com elas.
Apesar disso, alguns pesquisadores
permaneceram estudando sobre esse tipo de mídia, acreditando que possa
haver aspectos positivos nela. Malamuth diz que os experimentos têm
mostrado que os consumidores de pornografia a veem como uma dádiva.
Vários estudos apontam males no uso
de pornografia, mas eles são circunstanciais ou carecem de mais provas.
Da mesma forma, a ala de pesquisadores que percebem um potencial
positivo nesse tipo de consumo também parece não possuir evidências
categóricas de seus benefícios.
Exceto pelo caso dos adolescentes,
ainda não há uma resposta definitiva para a pergunta que intitula essa
discussão. O assunto da pornografia envolve questões de ordem biológica,
psicológica e social, e precisa de muito mais análise por parte das
disciplinas científicas envolvidas para que possamos dizer de forma
conclusiva se ela é ou não prejudicial para a saúde física e mental de
todos os usuários.
Nota. O sexo que corresponde as necessidades humanas de carinho e afetividade não tem nada a ver com o que é veiculado pela pornografia. Aqueles que pensam que a sexualidade humana é algo vulgar estão redondamente enganados. "A espiritualização da sensualidade, é o amor" _ F. Nietzsche.
"O crescimento espiritual passa necessariamente pela sexualidade. Mas não me pergunte como" _ Gandhi.