"Então, vi uma de suas cabeças como golpeada de morte, mas essa ferida mortal foi curada; toda a terra se maravilhou, seguindo a besta." (Apocalipse 13:3).
A trajetória papal desde 1798
Um breve levantamento de fatos que marcaram a trajetória do papado, desde que a ferida mortal de Apocalipse 13:3 foi aplicada, ajuda-nos a notar a evolução da cura. Entendemos que a ferida se deu em 20 de fevereiro de 1798, quando Bertier, a mando de Napoleão Bonaparte, aprisionou Pio VI e o desterrou. Pio VI morreu no exílio no ano seguinte. A Igreja Católica ficou sem um chefe supremo até 14 de março de 1800, quando o conclave de Veneza apontou um novo papa, Pio VII, que governou até 20 de agosto de 1823.
Embora o primado de Pio VII tenha sido marcado por altos e baixos, é possível entrever na posse do novo papa o começo da recuperação do poder antes desfrutado pelo mandatário da Igreja, recuperação profeticamente conhecida como a cura da ferida mortal.
Em 15 de agosto de 1801, Pio VII assinou a concordata com Napoleão, garantindo o restabelecimento da Igreja na França, embora submissa ao Estado. Em 2 de dezembro de 1804, o papa esteve presente em Paris para a proclamação de Napoleão como imperador da França. Foi aprisionado em Roma, em 1809, e retido em Savona e Fontainebleau. Retornou, porém, para Roma em 1814, exatamente quando Napoleão era obrigado a renunciar à coroa. No ano seguinte, no congresso de Viena, foram recuperados os Estados pontificais, antes anexados à França por Napoleão. O papa, assim, voltava a exercer igualmente o poder temporal de que estava investido desde 756, quando Pepino o Breve, rei dos Francos, doou à Igreja o conhecido patrimônio de São Pedro, mais tarde também reconhecido por Carlos Magno. Esse patrimônio reunia dois Exarcados: o de Ravena e o de Pentápole.
De 28 de agosto de 1823 a 10 de fevereiro de 1829, Leão XII assumiu o governo da Igreja, e estabeleceu concordatas com vários países, entre eles a Alemanha, a Suíça e a Holanda, todos protestantes. Os dois papas seguintes, Pio VIII e Gregório XVI, combateram determinadas pressões anticlericais, como a maçonaria e o liberalismo. Pio IX acabou perdendo os estados pontificais em 1870 com a derrota das tropas papais para os piemonteses que lutavam pela unificação da Itália. A partir desse ano, o poder temporal do papa esteve restringido ao palácio do Vaticano. Pio IX, e os quatro papas seguintes, Leão XIII, Pio X, Benedito XV e Pio XI, passaram então a ser considerados virtualmente prisioneiros do Vaticano, até que em 11 de fevereiro de 1929, através do Tratado de Latrão, ficava estabelecido o Estado do Vaticano, e concedia-se à Igreja, através da concordata italiana, plenos direitos de cooperação e participação na vida militar, social e na educação.
Devemos notar que mesmo os papas que foram considerados prisioneiros do Vaticano exerceram decidida influência não só na Igreja mas também no mundo. Leão XIII empenhou-se na restauração do prestígio da Igreja por uma tomada de posição em favor da classe operária e da abolição da escravatura. Buscou também a plena reconciliação com a França. Benedito XV, com seu denodado esforço de intermediar com as nações em conflito na I Grande Guerra, promoveu a troca de prisioneiros e incentivou, com a encíclica Pacem Dei, de 23 de maio de 1920, a reconciliação entre beligerantes. Isso pode significar que a ferida mortal não passou a ser curada apenas a partir de 1929. Nesse ano foi dado um importantíssimo passo no processo de cura, que, entretanto, foi iniciada antes.
Após o Tratado de Latrão, a Igreja se envolveu mais e mais em assuntos sociais. Em 1931 e 1937, Pio XI emitiu as encíclicas Non abbiamo bisogno e Mit brennender Sorge, em que condenou os abusos do fascismo e do nazismo, embora tivesse abençoado as tropas italianas que partiam para a guerra em apoio à Alemanha. Também em 1937 foi lançada a encíclicaDivini Redemptoris, em que o comunismo foi condenado.
Pio XII revelou-se um profundo conhecedor dos problemas internacionais, pronunciando vários discursos sobre questões de natureza social. João XXIII se destacou pela convocação do Concílio Vaticano II, em que a união da cristandade foi um ponto de referência. A partir especialmente de João XXIII, a Igreja adquiriu uma feição renovada e moderna, em que o antigo radicalismo cedeu lugar a um sentimento de tolerância e abertura a grupos não católicos, inclusive os de fora da cristandade.
Paulo VI deu continuidade ao plano de expansão da atuação católica no mundo, e a abertura proposta pelo referido Concílio, enquanto que o papa seguinte, João Paulo I, não teve tempo de atuar, pois permaneceu no poder de 21 de junho a 6 de agosto de 1978, apenas.
Finalmente, o papa atual [em 1999], João Paulo II, desde 16 de outubro de 1978, tem-se tornado o Estadista dos Estadistas. Polonês de nascimento, seu primado, sem sombra de dúvida, contribuiu substancialmente para o fim do império soviético. Cada vez mais reconhecido em todo o mundo pelas famosas “peregrinações”, suas viagens a diversos países, incluindo a nação mais protestante do mundo, os Estados Unidos, ele, com seu carisma, tem-se imposto como um elemento de impacto, movendo a opinião pública, e incentivando profundas reformas de caráter político, social e religioso, que [priorizaram] o homem, seus valores e direitos. Não é por mero acaso que, mesmo governantes não cristãos, como Saddam Hussein, do Iraque, buscaram o apoio e a intermediação papal em assuntos internacionais.
Era visto como o líder mundial por excelência, que encarnava os anseios e direitos dos oprimidos, e tinha possíveis respostas para as inquietações de uma sociedade cada vez menos segura de seu destino. E tudo sem o mínimo afastamento das prerrogativas que a Igreja tradicionalmente advoga e sustenta, e que exigem uma unidade de pensamento e ensino teológico, e também o reconhecimento. A Igreja apenas se adapta a uma nova realidade, mas continua sendo o que sempre foi: a única, da qual membros de outras agremiações são apenas irmãos separados, que devem ser reconduzidos à liderança do único pastor.
Daí o empenho pela união da cristandade, tão claramente definida na encíclica Ut unun sint, para cuja efetivação a guarda do domingo seria um fator primordial e imprescindível, como se observa nas entrelinhas de sua Carta Apostólica Dies Domini. E da união cristã, partir então para a união fraterna do mundo, para o que João Paulo II propôs, no grande jubileu que marcou a abertura do terceiro milênio, uma coalizão de forças.
Fonte: Texto retirado do artigo: "O Papado e a Profecia de Apocalipse 17" Dr. José Carlos Ramos, (professor de teologia) - publicado na Revista Adventista de julho de 1999.